Friday, January 14, 2005
As Litanias de Satã
Ele anda aí ...
Ó tu, o Anjo mais belo e também o mais culto,
Deus que a sorte traiu e privou do seu culto,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Ó Príncipe do exílio a quem alguém fez mal,
e que, vencido, sempre te ergues mais brutal,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que vês tudo, ó rei das coisas subterrâneas,
charlatão familiar das humanas insânias,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, mesmo ao leproso, ao pária infame, ao réu
ensinas pelo amor às delícias do Céu,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que da morte, tua velha e forte amante,
engendraste a Esperança, - a louca fascinante!
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que dás ao proscrito esse alto e calmo olhar
que faz ao pé da forca o povo desvairar,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que sabes onde é que em terras invejosas
o Deus ciumento esconde as pedras preciosas.
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu cuja larga mão oculta os precipícios,
ao sonâmbulo a errar na orla dos edifícios,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, magicamente, abrandas como mel
os velhos ossos do ébrio moído num tropel,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu, que ao homem que é fraco e sofre deste o alvitre
de poder misturar ao enxofre o salitre,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que pões a tua marca, ó cúmplice subtil,
Sobre a fronte do Creso implacável e vil,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Tu que, abrindo a alma e o olhar das raparigas a ambos
Dás o culto da chaga e o amor pelos farrapos,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria!
Do exilado bordão, lanterna do inventor,
confessor do enforcado e do conspirador,
tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
Pai adoptivo que és dos que, furioso, o Mestre/o deus Padre, expulsou do paraíso terrestre
Tem piedade, ó Satã, desta longa miséria !
~*~
Oração
Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
do céu, em que reinaste, e nas escuridões
do inferno, em que, vencido, sonhas com prudência!
Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de ver
seus ramos como um Templo novo se estender!
( Charles Baudelaire)
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