Thursday, January 13, 2005

Era uma vez um cão de nome não



Já há muito tempo que não falava aqui da Maria Azenha. É injusto, é profundamente injusto.

era uma vez um cão que não existia
e por não existir chamava-se Não. Sim
que era o contrário dele no nome e no sexo
era uma espécie de branca de neve
que procurava o seu príncipe encantado
então um dia o seu eu superior
ofereceu-se para lhe mostrar
o que havia de fazer para o encontrar
disse-lhe: andarás sete vezes à volta
de uma árvore e farás chichi nela
a seguir repetirás: “quero encontrar-me contigo
estejas onde Não estiveres”
levarás então um anel de brilhantes comigo
para lhe oferecer
e quando disseres I love you
I love you
ele responderá para o Bem e para o Mal: Não
porque esse é o seu nome verdadeiro
a branca de neve ficara muito feliz
e ainda inspirada pelo tal eu superior
fazendo pela oitava vez chichi
na árvore da vida disse voltando-se para o céu:
este é mesmo um encontro perfeito
um verdadeiro ritual
então o príncipe encantado
que se chamava Não
e que estava mesmo encantado
não disse sim e não pôde dizer não
voltou tudo ao princípio
a branca de neve traçou novamente uma circunferência
completa mas agora com o centro
no espírito santo virtual

foi assim que não nasceram
os seis cachorrinhos do costume
a branca de neve foi julgada em tribunal
por ter abortado
por se ter apaixonado e por ter dito Sim
mas era o seu nome
aqui em portugal
se tivesse nascido em espanha
hoje o seu príncipe encantado
que se chamava Não passaria
se calhar a chamar-se Azenerres
existiria para sempre na eternidade
ficaria a legislar sobre o aborto
na união europeia

(Maria Azenha, in, “Nossa Senhora de Burka”)






3 comments:

Peter said...

Maria Azenha na sua faceta intervencionista contra a legislação portuguesa sobre o aborto.

Amita said...

Fazes sempre a escolha acertada, Peter. É fantástico este poema. Bjos

Peter said...

"Amita", o mérito é todo da Maria Azenha. Eu escolho o que gosto e, pelos vistos, temos o mesmo gosto.