Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra 
e seu arbusto de sangue. Com ela 
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher. 
Seus ombros beijarei, a pedra pequena 
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade 
de dois seios, com o peso lúbrico e triste 
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave 
o atravessar trespassada por um grito marítimo 
e o pão for invadido pelas ondas, 
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes 
ele — imagem inacessível e casta de um certo pensamento 
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.
Ah! em cada mulher existe uma morte silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos dedos, 
os bordões da melodia, 
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue, 
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto. 
— Ó cabra no vento e na urze, mulher nua sob 
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito, 
mulher de pés no branco, transportadora 
da morte e da alegria!
Herberto Hélder
Saturday, April 30, 2005
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2 comments:
Lindíssimo este poema, Peter. Valeu a pesquisa. Bjo
Valeu, e como nunca tive receio de confessar a minha ignorância, trata-se de um autor que não conhecia. Mas como a Gulbenkian está a saldar livros, aproveitei para melhorar os meus conhecimentos. Bj :-))
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