Wednesday, August 13, 2008

ADEUS


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sol das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo.”meu amor”,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade, “Os amantes sem dinheiro”. Foto Google.

3 comments:

SILÊNCIO CULPADO said...

Este é dos mais belos poemas ou não fosse ele do meu favorito Eugénio de Andrade. Acompanhado de "Pour Elise" é uma verdadeira delicia.
Coisa para ser apreciada por gente madura.

Abraço

Paula Raposo said...

Adoro Eugénio de Andrade e este é um daqueles poemas que não me canso de ler e de sentir! Obrigada por o trazeres aqui. Obrigada por estares de volta...muitos beijos, Peter.

Amita said...

"Gastámos tudo menos o silêncio"
e, para vibrar o silêncio que sempre nos fala quando a Amizade está consolidada, aqui fica o meu grande abraço com muito carinho acompanhando um grande e belo poema