vi nossa senhora bater-me à porta
apanhou-me de surpresa
julguei que era a porteira àquela hora da manhã
eu estava de robe e de chinelos chineses
a escrever versos que me doem tanto
já pensei até deitá-los fora atirá-los todos para o mar
vê-los navegar fazer deles caravelas como antigamente
iam por aí
sabe-se lá aportar onde
mas àquela hora quem me apareceu foi nossa senhora de burka
fiquei espantada que havia de dizer
perguntei-lhe se queria entrar delicadamente
eu estava a escrever versos para fora da gaveta
com palavras bravas e escandalosas
ela disse que sim que vinha para ficar
andava à procura do filho que perdera
há mais de dois mil anos
posso muito bem compreender a dor humana
sei o que isso é
não tenho é paciência para trocar sorrisos
o que também era indiferente
fiquei muito perturbada deixei-a entrar
arranjei-lhe um chá quente de cidreira
para a acalmar sentei-a no sofá da sala
pedi-lhe para nunca mais falarmos disso
ela acenou com a cabeça e nunca mais
trocámos uma palavra vi-a beber água
desapareceu para meu espanto do aposento
hoje não sei se ela era realmente
a nossa senhora de burka
se eu e ela não somos a mesma
sei que nunca mais tirámos a máscara
nunca mais fui dar aulas
fiquei ali sentada
continuei a escrever versos a noite inteira
para fora da gaveta
hoje chamam-me mary
e foi-me preciso matar
(Maria Azenha)
Sunday, November 14, 2004
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
5 comments:
Peter,vou inclui-lo nos meus links.
bjs.
bom fim de semana.
Obrigado.Procurarei corresponder.
peter, poema belíssimo da mary. todos os dias "nos-é" preciso matar... martaoutra
Lindo Peter...
Fiquei encantada..
bjs
Lú
Lú, a Maria Azenha, que escreve sob vários pseudónimos, é uma óptima poetisa, cujos livros se esgotam rapidamente.
Post a Comment