Thursday, December 02, 2004

Notícias de Espanha

Querido Blogue,

Desolação total no meu bairro, senhores, porque as coisas já não são como antigamente. Consequência da perda desses valores do sul da Europa tão geneticamente nossos, da relatividade pós-moderna e da especulação imobiliária, pelo menos, que os construtores civis têm sempre parte de culpa na queda dos Impérios Universais.
Basta estudar a história de Roma Antiga para constatar os efeitos perversos da subida dos preços nas vivendas do centro: os latinos naturais moveram-se para os subúrbios provincianos e as zonas nobres foram alugadas aos bárbaros, os únicos com posses para suportar rendas tão elevadas. Depois deu no que deu, obscurantismo, Idade Média e a Peste Negra.
É preciso ter cuidado, já dizia o outro.Mas estava eu a contar que o meu bairro vive momentos de devastação absoluta, e não me refiro só ao facto de o Alcalde Gallardón o ter transformado de repente em Bairro das Letras, pedonal e com sanções mortais a quem se atrever a estacionar o carro algures entre o Passeio do Prado e a Porta do Sol, que já é espaço. Sem automóveis eu até sei viver. Nem me atrevo a queixar-me que os mendigos tenham sido varridos da zona, porque eu não deixo de ser minoria étnica e com estas limpezas urbanas já estamos mais que aviados.

Não, o que a mim me fez chorar interiormente foi o desaparecimento dos mouros na praça ao lado da minha casa. Não que adore o Magreb ao ponto de me revoltar com a ausência daqueles simpáticos rapazes, não se confundam, mas sucede que estes jovens sem papeis e com a pele escura prestavam um inestimável serviço publico. E só vendiam hache, coitados, suportando chuvas, ventos gélidos das montanhas, de pé, esperando que o cidadão se aproximasse cauteloso, despistando a bófia, à procura da calma psicotrópica depois de um árduo dia de trabalho. E agora, népias, esfumaram-se do mapa, como se nunca tivessem existido. Engolidos pela terra.
Nem imagina o leitor a hecatombe que provocou na vida do bairro o sumiço destes pobres fornecedores de tabaco marroquino. Lojas que fecham mais cedo, gente mal-humorada a vaguear pelas ruas, até os homens do lixo perderam o perpétuo sorriso nos lábios. E agora procuram-se responsáveis para tamanha catástrofe humanitária.
Terá sido a Ana Botella, possuída por um ataque de fúria igual à que afectou o negócio do putifério na Calle Montera? Esta mulher é perigosa, é um facto, e se há coisa que não suporta é que nas ruas de Madrid homens saciem a sua fome sexual fora do sagrado casamento. Mas duvido que tenha sido a excelsa esposa do Eterno Defensor dos Impérios Bushianos a tomar esta decisão, por muito que lhe assente como uma luva o papel de mãezinha do povo drogado e miserável.
Para senhoras finas como a Ana basta começar com unzinhos e depois, pimba, está tudo agarradinho ao cavalo, a assaltar velhotas nos supermercados e a vender o corpo nas esquinas da cidade. Mas por agora anda muito ocupada a transformar-se no numero dois do PP Madrileno e não lhe sobra tempo para reles assuntos sociais.
Mas há mais suspeitos: um vereador que se mudou recentemente para uma simpático loft em frente à praça onde trabalhavam os marroquinos e que não estava para se cruzar todos os dias com a cara mais gananciosa da imigração descontrolada; uma associação de mães contra a delinquência juvenil; arrumadores ilegais cujo business estava a decrescer devido ao efeito da inflação nos chiribitis; organizações de artistas contra a fome e até uma banda de equatorianos com vontade de ampliar o território.
Mas no fundo, todos sabemos quem é o responsável final, quem tem o Poder Total para varrer a concorrência da Praça.
É ele, o Poderoso, o Omnipresente. O Chefão: o super dealer do terceiro andar do meu prédio, dono de um cão panasca e com uma influentíssima rede de amigos nas policias locais. Como se já não me bastasse partilhar o prédio com um casal de rappers assassinos, multi-orgásmicas estereofónicas e aprendizes de guitarristas.

Assim não há quem viva sossegada, pá.

(por rititi - http://rititi.blogspot.com - Segunda-feira, Novembro 29,)

1 comment:

blimunda said...

novas do meu país: asas de chumbo, peter. alma evadida... SOS