Friday, March 20, 2009

Quando Vier a Primavera


Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.

(Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" Heterónimo de Fernando Pessoa)
Tela de Sandro Botticelli – Uffiizi – Firenze

A Primavera chegou hoje a Portugal às 11h44

6 comments:

Papoila said...

Querido Peter:
Belo poema de Alberto caeiro com a Primavera de Botticelli... Gosto de todo o poema porque é o render-se à evidência da Natureza... A Primavera chega todos os anos...
"Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é."
Beijos

tecas said...

Uma boa escolha Peter.
Alberto Caeiro é um dos heterónimos
do Fernando Pessoa que mais leio e... a primavera da Natureza...volta todos os anos. A nossa...não. Na primavera da vida, a sua obra ficou eternizada.

vieira calado said...

Você sabe bem escolher!

Palavras e música.

Do melhor.

Um abraço

Maria Azenha said...

belíssimo Alberto Caeiro!


abraço, mariah

GS said...

Um poema 'real' como tudo o que há em Pessoa/seus heterónimos, neste caso, Caeiro!

Muitas vezes me detenho a lê-lo pensativa...

Gostaria de ter 'preferências', se não as esquecerem... coisas íntimas!

Tudo vem a seu tempo, num tempo sem tempo!
A Primavera, esta que atravessamos, incerta, insegura, tímida, quase arrependida de ter chegado no seu tempo!

Bom domingo!
... sensibilizada pelo olhar em 'fragmentos'!

MT filé said...

Achei muito bom o poema, finalmente achei o que eu procurava, me encanto ao ler esses poemas, vejo a vida de outra forma, como os poetas e seus poemas.