Saturday, August 20, 2005

Soneto de amor



Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma ... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas ...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua …, - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois … - abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada …
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!

José Régio

7 comments:

Amita said...

Em jeito de partilha: "Adão e Eva" de José Régio:

Olhámo-nos um dia,
E cada um de nós sonhou que achara
O par que a alma e a cara lhe pedia.

- E cada um de nós sonhou que o achara...

E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
... Se deu, e se dará continuamente:

Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.

- Meu nome é Adão...

E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!

Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram
Sobre um leito de terra, cinza e pó!

Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!

Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
- Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.

Assim toda te deste,
E assim todo me dei:

Sobre o teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
Cem vezes morri, prostrado...
Cem vezes ressuscitei
Para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.

E enquanto as nossas bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nossos olhos muito perto, imensos,
No desespero desse abraço mudo,
Confessaram-se tudo!
... Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.

Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado,
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho Pai desprezado!

E assim Eva e Adão se conheceram:

Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe...

Eu, os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce...

Depois...

Depois o quê, amor? Depois, mais nada,
- Que Jeová não sabe perdoar!

O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada...

Continuamos a ser dois,
E nunca nos pudemos penetrar!

Peter said...

amita, já conhecia. De qq modo obrigado. Fica para os que por aqui passarem e que não o conheciam. Sabias que o irmão do José Régio era um pintor muito bom?// A bluegift já voltou de férias. Deixou um comentário a um excelente post do Letras_ao_acaso sobre o assunto nacional de maior gravidade que nos afecta a (quase) todos: os incêndios que devastam o País.

Amita said...

Obrigado pela informaçõo, Peter. Irei espreitar. Já foste ao mail? Uma boa semana, meu amigo, até amanhã.

mfc said...

É tão bom ler-se Régio que conheci pessoalmente.
Tive essa sorte!

Peter said...

mfc, José Maria dos Reis Pereira (José Régio)era irmão de um oficial de Administração Militar, que eu conheci pessoalmente, também poeta, mas sem a notoriedade do irmão e que costumava publicar os seus desenhos numa revista semanal que se publicava em Luanda nos anos 60.

Heloisa B.P said...

"Nao me pecas palavras"....
.............................PARA QUE PALAVRAS???
Sao, tantas vezes, desnecessarias!
BOM!_Quando sao BELAS COMO *ESTAS*,
deste BELO POEMA, entao tornam-se UMA NECESIDADE PRIMARIA!!!!!!
_OBRIGADA, pelas Suas, meu Amigo, ali junto a minha outra mensagem e, la' no meu modesto cantinho! E... merece TUDO o que la' escrevi, porque eu so' escrevo o que sinto (posso e' nao escrever NADA!...)_bem ou mal!!!!!!!
_FIQUE BEM!
_TEM BELISSIMAS IMAGENS AO LONGO DESTE ESPACO DE *SONS E TONS*!!!
Deixo um Abraco!
Perdoe a ausencia, nao voluntaria!
Heloisa B.P.
******************

Peter said...

Heloísa, eu compreendo. É sempre bem-vinda.